Pedreira Prado Lopes
Consolidada com o surgimento de Belo Horizonte, a favela Pedreira Prado Lopes historicamente resiste contra os processos do urbanismo neoliberal.índice
surgimento da favela pedreira prado lopes
Inaugurada em 1897, Belo Horizonte (BH) foi cencebida a partir de um plano modernista para receber a nova capital do estado. Paralelamente à sua construção, no início do século XIX surge a favela Pedreira Prado Lopes (PPL), inserida na região da Lagoinha – regional Noroeste de BH – e localizada ao lado do centro de BH, demarcada física, social e simbolicamente pela Av. do Contorno. Segundo Guimarães (1992) [1], a PPL é uma das primeiras favelas da capital que ainda existe nos dias de hoje. ,
Os primeiros moradores da PPL foram operários que vieram do interior de Minas Gerais buscando melhores qualidades de vida e trabalho na contrução da capital. Em entrevista [2], Valéria Borges, moradora, liderança comunitária da PPL e militante do Movimento Nacional de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), conta que as pedras para a construção da Avenida do Contorno foram retiradas da pedreira em que a favela está fixada e que, sua avó assim como os outros primeiros moradores da PPL, trabalhou na obra da cidade modernista.
Com a urbanização de Belo Horizonte a partir da década de 1940, a comunidade em questão passou a receber sucessivas intervenções que reconfiguraram sua espacialidade e organização social ao longo do tempo. As principais grandes obras foram 1940 e 1944, com a abertura da Avenida Antônio Carlos e a construção do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), respectivamente, as quais removeram muitas famílias da PPL que se viram obrigadas ou a subir o morro em sua parte mais íncreme junto à pedreira ou a se mudarem para regiões distantes do centro e de serviços urbanos básicos (BITENCOURT; OLIVEIRA; RENA, 2019) [3].
Apesar da proximidade da favela à cidade formal, o investimento em infraestrutura e regulação urbana se concentrou durante muitas décadas apenas na região com maior concentração de renda. Sobre isso, Silva (2018) [4] aborda o quanto essa distinção no planejamento urbano reforçou, e ainda o faz até hoje, a precarização e periferização da favela estimulada pelo estigma de marginalização e racismo estrutural da sociedade.
“O urbanismo brasileiro (entendido aqui como planejamento e Regulação urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas. (…) Para a cidade ilegal não há planos, nem ordem. Aliás ela não é conhecida em suas dimensões e características. Trata-se de um lugar fora das idéias” (MARICATO, 2000, p.122). [5]
[1] GUIMARÃES, B. M. Favelas em Belo Horizonte: tendências e desafios. Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, v.7, n.2 e 3, maio/dez. 1992.
[2] Em entrevista concedida à pesquisa Territórios Populares (TP) vinculada ao grupo de pesquisa Indisciplinar, Valéria Borges conta a história da PPL por meio da perspectiva de sua militância ativa como moradora e liderança no local. Essa entrevista está disponível em um documentário, no qual faz parte de uma série com 4 vídeos, cada um deles sobre os 4 territórios estudados na pesquisa TP: favela Pedreira Prado Lopes, rua Guaicurus, Ocupação Carolina de Jesus/MLB e Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (ASMARE). Playlist com os 4 documentários aqui e vídeo com a fala de Valéria Borges aqui.
Imagem 01: mapas com a região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Belo Horizonte (BH) e a favela Pedreira Prado Lopes (PPL). Fonte: elaborada pelas autoras.
[3] OLIVEIRA, S.; BITENCOURT, G.; NASSER, C.; RENA, N. Territórios, movimentos populares e universidade: entrelaçando ensino, pesquisa e extensão na Pedreira Prado Lopes. Revista Indisciplinar, v. 8, 2019. Disponível aqui.
Imagem 02: comparação entre o território da PPL em 1930 (à esquerda) com sua extensão em 2018 (à direita). Fonte: elaborado pelas autoras.
[4] SILVA, L. M. Propriedades, negritude e moradia na produção da segregação racial da cidade: cenário Belo Horizonte. 241f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Escola de Arquitetura da UFMG, Belo Horizonte, 2018.
[5] MARICATO, E. Planejamento urbano no Brasil: as idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. ARANTES, Otília B., MARICATO, Ermínia e VAINER, Carlos. O Pensamento Único das Cidades: desmanchando consensos, Petrópolis, Ed. Vozes, Coleção Zero à Esquerda, 2000.
resistência e luta popular
O processo de industrialização vivido nas primeiras décadas do século XX, trouxe intensa modificação no cenário urbano do país com o rápido e muito pouco planejado crescimento das cidades centrais, desproporcional à estrutura disponível nesses territórios. Quando havia planos urbanísticos, estes se restringiam a uma parcela da população, quase sempre localizada em regiões onde se concentravam as maiores rendas, o que gerou realidades contrastantes e desiguais: de uma lado a cidade formal, baseada em normas, legislações urbanísticas, serviços e infraestruturas; e de outro a cidade informal, oposto da primeira, era autoconstruída, distante do centro oficial e desabastecida de estruturas básicas para a vida urbana. Essa conjuntura (ainda atual), agravou a desigualdade socioespacial brasileira e gerou grande insatisfação entre a população de baixa renda, que passou a se organizar e iniciou a luta pela reforma urbana no final da década de 1950. Nesse contexto, em BH surgiu a Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte (FTFBH) que reunia mais de 50 instituições comunitárias, entre elas associações e lideranças comunitárias ligadas à Pedreira Prado Lopes, como a União Defesa Coletiva.
Após o golpe militar de 1964, muitas organizações comunitárias foram perseguidas e dissolvidas na capital mineira, e a na década de 1970 passaram a ressurgir. A partir disso, a atuação de lideranças e associações comunitárias ligadas à PPL ganhou força e se tornou essencial por articular de moradores locais e de outras favelas de BH na luta contra os processos de remoções frequentes e melhores indenizações, além da interlocução com o poder público.
A consistente organização social da PPL é composta historicamente por entidades comunitárias como a União dos Trabalhadores da Periferia (UTP), a União Prado Lopes e o Fala Pedreira, assim como por lideranças locais que dedicaram, e ainda dedicam, suas vidas na militância, lutando por direitos, qualidade de vida e, ao mesmo tempo, fortalecendo o sentimento de identidade e unidade popular. Entre esse atores estão Liberalino Alves de Oliveira “muito popular e respeitado na favela pela sua atuação como liderança comunitária e pelo seu vínculo com o setor político” (SALES, 2003, p.118) [6], Robson da Costa Meira, morador da PPL e fundador do extinto jornal Fala Pedreira, Valéria Borges, moradora e militante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), Josélia Nascimento Moreira, moradora e atual coordenadora da União Prado Lopes e o Padre Chico que organizou trabalhos de base e promoção de autonomia da população no final dos anos 1980 por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), ligada à Teoria da LIbertação da Igreja Católica. Atualmente algumas dessas lideranças comunitárias permanecem ativas no presente, como Valéria Borges e Robson da Costa.
(…) A resistência histórica nas formas de vida dos moradores da PPL, mesmo com altos índices de vulnerabilidade e injustiça social presentes na comunidade, traz em suas narrativas locais a expressão da biopotência como forma de poder criativo, que não se origina, nem depende do sistema dominante, mas o precede, reafirmando a força indomável da própria vida (PELBART, 2003)” (OLIVEIRA; BITENCOURT; NASSER; RENA, 2019, p.5) [7].
Integrante da rede nacional da Frente Brasil Popular (FBP) [8], o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) se inseriu na PPL em 2011 e desde então vem desenvolvendo trabalhos de base buscando a formação política, fundamental para a resistência contas às diversas formas de opressão e para a transformação social. Segundo Vinícius Moreno, militante do MTD e coordenador do galpão cultural da Ocupação Pátria Livre/MTD [9], localizada em frente à Umei Pedro Lessa na PPL, o movimento é estruturado luta pelos direitos da classe trabalhadora – moradia, trabalho, cultura, saúde, educação, soberania e segurança alimentar -, e para isso utiliza estratégias como ocupações, atos e denúncias. Na Pedreira, o MTD organiza coordena desde 2017 a Ocupação Pátria Livre, onde vivem cerca de 11 famílias e se realizam diversas ações para a comunidade.
[6] SALES, Mara Marçal. A favela é um negócio a fervilhar: olhares sobre a estigmatização social e a busca de reconhecimento na Pedreira Prado Lopes. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Faculdade de Ciências Humanas da UFMG, Belo Horizonte, 2003.
Imagem 03: colagem com o líder comunitário Liberalino Alves de Oliveira, também conhecido por Seu Belo, no centro da imagem em vermelho com o conjunto habitacional Araribá atrás, obra conquistada por seu Belo por meio do OP. O calango, espécie de largarto, desenhado na faixa é utilizado como símbolo da PPL pelo jornal Fala Pedreira, por ser um animal que resiste às restritas condições de vida e por seu habitat natural ser a pedra, relacionando à pedreira presente na favela. Mais sobre o calango em: ARROYO, Michele Abreu. A diversidade cultural na cidade contemporânea: o reconhecimento da Pedreira Prado Lopes como patrimônio cultural. Belo Horizonte, 2010. Disponível online.
Imagem 04: as lideranças comunitárias Robson da Costa e Padre Chico em uma assembleia local ligada ao Orçamento Participativo na década de 1990. Fonte: acervo pessoal de Robson da Costa com alterações feitas pelas autoras.
[7] OLIVEIRA, S.; BITENCOURT, G.; NASSER, C.; RENA, N. Territórios, movimentos populares e universidade: entrelaçando ensino, pesquisa e extensão na Pedreira Prado Lopes. Revista Indisciplinar, v. 8, 2019. Disponível aqui.
[8] A Frente Brasil Popular (FBP) é composta por militantes de organizações populares e seus objetivos são: “defender os direitos e aspirações do povo brasileiro, para defender a democracia e outra política econômica, para defender a soberania nacional e a integração regional, para defender transformações profundas em nosso país. ” Retirado do site e mais informações sobre a FBP na fanpage.
[9] MORENO, Vinícius. Pesquisa Territórios Populares: depoimento [08 de agosto, 2019]. Belo Horizonte: UFMG, 2019. Entrevista concedida à Pesquisa Territórios Populares do Grupo de Pesquisa Indisciplinar da UFMG.
Imagem 05: a liderança Valéria Borges durante caminhada pela PPL em 2019 com um de seus vários álbuns de fotografias autorais e e colecionadas que registram a história da comunidade. Fonte: elaborado pelas autoras.
período histórico: luta pela reforma urbana no país
A pauta da reforma urbana iniciada com o Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU) em 1963 ressurge com o avanço da redemocratização vivido no país no final da ditadura militar. Movimentos sociais, técnicos, sindicatos e setores da sociedade civil e da universidade originaram o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), no qual os principais objetivos se baseavam na defesa do estabelecimento da função social da cidade e da propriedade, políticas democráticas e participativas nas gestões públicas, justiça social e qualidade digna de vida a toda a população, seguindo diretrizes estabelecidas em discussões internacionais pelo Clube de Roma e pela Organizações Unidas (ONU) com o Programa Habitat [10].
Uma das maiores conquistas da luta do MNRU, que após a Constituinte se tornou Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), foi a introdução dos artigos 182 e 183 no capítulo de reforma urbana da Constituição de 1988, os quais tratam sobre a função social da propriedade a partir de ferramentas urbanísticas regulamentadas em 2001 com a aprovação da Lei Federal 10.257, mais conhecida como o Estatuto da Cidade. Apesar disso, esse período histórico apresenta enorme contradição com a inserção do modelo neoliberal no país durante a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) vinculado aos interesses hegemônicos de enfraquecimento do Estado regulador e não-intervencionismo econômico.
Se no nacionalmente o cenário não era favorável, as gestões municipais democráticas e progressistas passaram a introduzir políticas públicas sociais com a participação popular nas gestões, respaldadas pelos instrumentos urbanísticos dispostos no Estatuto da Cidade. Entre essas políticas está o Orçamento Participativo (OP), o qual foi amplamente desenvolvido em cidades brasileiras por governos do Partido dos Trabalhadores (PT), assim como em Belo Horizonte.
[10] Ligado ao desenvolvimento sustentável das cidades, a Agenda Habitat continha a defesa da participação da sociedade civil na condução de políticas públicas, assim como o direito à cidade para todos.
a primeira favela a receber urbanização em bh
Conforme Maricato (2000), a política habitacional realizada pelo sistema Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Banco Nacional de Habitação (BNH) durante o período militar fortaleceu a desigualdade socioespacial com a construção de conjuntos habitacionais em regiões desprovidas de sistemas e serviços urbanos básicos, além de não atingirem a população de renda abaixo de cinco salários mínimos. É necessário avaliar a questão habitacional de forma ampla e interligada à urbe, e também conectada às especificidades da população e seu território, de forma a garantir um conjunto urbano que que assegure a moradia digna em seu local de origem com transporte público, emprego, saneamento básico, iluminação, escolas, centros de saúde, coleta de lixo, etc.
A conquista popular da Constituição Cidadã em 1988 após lutas populares, com a pela reforma urbana conduzida pelo MNRU, permitiu a implementação de políticas democráticas e participativas em municípios brasileiros, como o Orçamento Participativo (OP), que foi introduzido principalmente por gestões petistas [11] no final da década de 1980 e início da de 1990. Em BH, a gestão de Patrus Ananias/PT teve como principal direção a inversão de prioridades na aplicação das políticas públicas, desempenhando um mandado democrático e cidadão que consolidou o OP na capital embasado na prática da participação popular e descentralização do orçamento municipal com intervenções em regiões de baixa renda.
Para isso, a política habitacional conduzida pela Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL) passou por uma reestruturação com a criação do Sistema Municipal de Habitação (SMH), do Fundo Municipal de Habitação Popular (FMHP) e, após a regulamentação do FMHP, a criação do Conselho Municipal de Habitação (CMH). Criou-se o Plano Global Específico (PGE) aplicado pela URBEL, que consiste em um plano urbano integrado e desenvolvido para cada favela de acordo com sua realidade, contendo um levantamento de dados com a situação atual, um diagnóstico com as principais demandas e uma definição de propostas projetuais estabelecidas em algumas fases, e em 1997, o PGE se tornou obrigatório para viabilizar intervenções urbanas em vilas e favelas via OP. A PPL foi a primeira favela a receber o PGE, contando com onze etapas.
A efervescência participativa proporcionada nos processo do O OP é lembrada com carinho e orgulho por moradores e lideranças comunitárias da PPL, tendo em vista o fortalecimento da unidade popular que a comunidade viveu durante as decisões orçamentárias e condução das obras. Conforme Oliveira e Chagas (2020) [12], o consistente engajamento popular presente no território contribuiu para que a favela fosse protagonista e pioneira na conquista e desenvolvimento de projetos sociais, como: (i) o primeiro conjunto habitacional popular em vilas e favelas, o Conjunto Araribá no OP/1994; (ii) o primeiro planejamento urbano em vilas e favelas, o Plano Global Específico (PGE) no OP/1997; (iii) e a primeira Escola Profissionalizante em uma favela favela no OP/1996. Além disso, a comunidade foi vitoriosa em mais outras cinco rodadas do OP, obtendo o centro de saúde no OP/1995 e obras previstas no PGE – praças comunitárias, conjuntos habitacionais e urbanização com abertura e alargamento de vias, iluminação e saneamento – nos OPs de 1998, 1999/2000 e 2001/2002 e 2003/2004.
“a primeira obra do OP foi passada por meio da Igreja, sem muita participação popular. Irmãos moravam embaixo da caixa da água (antigo abastecimento do Conjunto IAPI na PPL que depois foi desativado). O primeiro OP na PPL foi menos burocrático e não havia Caravanas, passaram a obra para Pedreira (lideranças locais). As pessoas moravam embaixo dessa caixa d’água igual tatu, havia 22 famílias embaixo e a situação de vida era extremamente ruim. Com OP, no lugar construíram o Conjunto Habitacional Araribá.” [13]
Segundo Mello e Da Costa (2016) [14], apesar das conquistas via participação popular e ampliação da cidadania possibilitada pelo OP, a favela supracitada recebeu apenas cerca de 19% dos recursos dispostos nas obras aprovadas durante as rodadas dos OPs. Adicionado a isso, lideranças comunitárias relatam que seria necessário conquistar mais de cem edições do OP para a execução completa do plano proposto no PGE, o que somente foi possível devido o incentivo federal durante o governo Lula/PT com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), aplicado a partir de 2008 na PPL pelo Programa municipal Vila Viva [15].
“O PGE da PPL foi dividido em 11 etapas, demoraria 110 anos e muito mais se dependesse só do OP, mas entrou o PAC e acelerou todo o processo. Entregou 127 obras no território da regional.” [16]
No documentário produzido pelo projeto de pesquisa Territórios Populares (TP) [17] e disciplina de mesmo nome, ligados ao do grupo de pesquisa Indisciplinar/UFMG (abordaremos melhor esse tema adiante), a moradora e liderança da PPL, Valéria Borges, traz a perspectiva da urbanização em sua comunidade a partir de sua vivência como moradora, liderança local e militante pelo MTD. Valéria aborda problemáticas na condução e aplicação do PGE com problemáticas na execução das obras, com construções lentas e de baixa qualidade, excesso de entulhos das demolições e novas construções espalhados pela favela por muito tempo. A liderança também comenta sobre as indenizações insuficientes, remoções e assentamentos que deslocaram antigos moradores deslocados para regiões distantes, longe se suas memórias, vizinhança e hábitos, assim como de serviços urbanos [18]. Vinícius Moreno, militante do MTD e coordenador do Galpão da Ocupação Pátria Livre, em entrevista para o Indisciplinar pelo projeto de extensão Plataforma Urbanismo Biopolítico, também comenta essas questões:
“O Vila Viva foi um processo que tirou muita gente da Pedreira. A URBEL alocava nos prédios moradores que eram de outros bairros, o que gerou muito conflito. Outra questão também prejudicial, foi que os moradores da comunidade antes moravam em casas e tinham cachorro, galinha, jardim etc. Ao passarem a morar nos prédios, gerou muitos conflitos com vizinhos, muitos idosos doentes por falta das plantas e animais. Dentro da execução do programa Vila Viva, existe a proposta de acompanhamento das famílias, por no mínimo dois anos – o pós-morar – que não foi bem executado tanto no processo social, quanto na infraestrutura – os prédios apresentam vários problemas. A URBEL nunca geriu bem esse processo e muitas vezes deixou os moradores sem acesso ou apoio aos conflitos entre os moradores e as necessidades de cada família” [19]
Somado a isso, o atraso no início e entrega das obras dispostas no PGE, devido ao número elevado de reassentamentos e como foram conduzidos, gerou insatisfação popular e mobilizações no terrritório. Uma delas foi em 2013, a Ocupação Dona Maria, coordenada pelo MTD e com parceria de movimentos populares ligados à Frente Brasil Popular (Levante da Juventude, MAB, MST) [20] em um dos conjuntos habitacionais construídos pelo Programa Vila Viva que ficou parado por quase um ano. Durante a Ocupação buscou-se visibilizar o descaso do poder público com as diversas famílias em situações de vulnerabilidade frente o tempo de entrega e a forma de distribuição das novas moradias.
As dificuldades vividas na implementação do processo de urbanização dessa favela evidenciam resquícios de um planejamento formalista e segregador presentes na história do planejamento urbano brasileiro. Se comparado a esse histórico, a entrada do poder público em vilas e favelas através da implementação de políticas urbanas e habitacionais de forma efetiva, democrática e participativa é recente ocorrida, como visto, no período de redemocratização nacional, quando a vontade política na gestão municipal estava afinada a uma administração pública embasada na democracia, participação popular e inversão de prioridades.
O potencial educativo do Orçamento Participativo possibilita identificá-lo como uma “Escola de Cidadania” [21] na ampliação da soberania popular, justiça social e a promoção do “alargamento da esfera pública” [22], isso ocorre ao envolver a população na tomada de decisões orçamentárias do município, aplicação e fiscalização das obras – condicionado aos delegados da Comissão Regional de Acompanhamento e Fiscalização do Orçamento Regional (COMFORÇA). Além disso, por meio das Caravanas de Prioridades, os delegados conhecem as realidades dos demais locais que entram na disputa pelo orçamento, o que possibilita a organização de um aspecto solidário que dá prioridade aos locais com maior necessidade.
“A Caravana era a melhor, todos gostavam. Os moradores iam em bloco para conhecer as diferentes realidades dos empreendimentos selecionados e, com as visitas, chegou a ver muitas pessoas mudando seus votos das obras por verem condições mais emergenciais em outras comunidades do que nas suas: esgoto na altura da porta com carcaça de geladeira. lixo…” [23]
Apesar das controvérsias na PPL em relação à (i) execução e entrega das obras, (ii) reassentamentos e baixas indenizações, (iii) falta de uma política do pós-morar e entre outras questões referidas acima, as obra conquistadas via OP colaboraram no alargamento da dignidade habitacional e urbana na comunidade. Nesse sentido, o como política cidadã o OP teve em BH um papel fundamental na consolidação de uma atuação efetiva do poder público em aglomerados informais, com a inauguração do planejamento urbano na PPL.
“OP em BH tem sobrenome e é: Patrus Ananias. A participação popular com a COMFORÇA, com a comissão local do centro de saúde, conferências, conselhos também colaboraram no processo do OP. Na verdade, esses instrumentos foram criados no governo do Patrus, porque até então não tinha participação popular nesse volume. (…) O OP começou com o Patrus e transformou a Pedreira em um lugar muito melhor para se viver.” [24]
O cenário atual dessa política é de estagnação e desmonte em que há a redução do seu espaço institucional, com corte orçamentário e ausência do caráter participativo, lógica que vem sendo estabelecida nas recentes administrações da Prefeitura de Belo Horizonte desde o final de gestões petistas em 2008. Conforme lideranças da PPL, que são também delegados da COMFORÇA Regional Noroeste, o Orçamento Participativo atualmente existe apenas burocraticamente, não mais de forma concreta e atuante, pois há apenas o andamento e finalização de obras que foram aprovadas em rodadas anteriores, não havendo novas rodadas de discussões. Isso reduz o engajamento popular e desestimula moradores e lideranças do território em questão e demais vilas e favelas de Belo Horizonte, pois as necessidades de infraestrutura urbanística, habitacional, lazer, esporte, saúde, cultura e outros seguem existindo, porém a vontade política atua em outro sentido e enfraquece a importante estrutura cidadã de participação popular consolidada com Patrus Ananias.
“O OP passou a ser decidido dentro do gabinete da Prefeitura com representantes mínimos da comunidade e o OP foi perdendo a força.” [25]
[11] Para Jorge Bittar (1992) o modo petista de governar é consiste na “participação popular como forma de permitir o controle do Estado pela sociedade e de contribuir para a mudança na correlação de forças entre classes dominantes e populares; a inversão de prioridades de governo, que significa assumir a dívida social e garantir o direcionamento dos principais investimentos públicos para as áreas carentes; a desprivatização do Estado, que se materializa, por exemplo, no combate à corrupção e à prática clientelista; a efetivação de uma política de alianças que garanta sustentabilidade política para a realização dos programas de governo; por último, a politização do conflito com o capital privado.” (BITTAR, 1992, p. 22).
Fonte: BITTAR, J. O modo petista de governar. São Paulo: Partido dos Trabalhadores/Diretório Regional de São Paulo, 1992. 324p. (Cadernos de Teoria & Debate).
Imagem 07: Patrus Ananias/ PT durante ante assembleia do Orçamento Participativo em Belo Horizonte. Fonte: OLIVEIRA e CHAGAS, 2000, p.200. Ver nota de rodapé 12.
[12] OLIVEIRA, Susan.; CHAGAS, Anderson. PLANEJAMENTO URBANO E PARTICIPAÇÃO POPULAR: Pedreira Prado Lopes na vanguarda de políticas urbanas em vilas e favelas. Revista Indisciplinar, v. 6, n.1,, 20120. Disponível neste link.
[13] Relato coletado durante o Workshop sobre o Orçamento Participativo na PPL, em novembro de 2019, organizado pelo grupo de pesquisa Indisciplinar/UFMG por meio da pesquisa Cartografia Popular do Orçamento Participativo em Belo Horizonte, e que contou com a participação de moradores, lideranças comunitárias e delegado da COMFORÇA. A partir dessa atividade pretendia-se cartografar a percepção da população em relação ao Orçamento Participativo e seu impacto no território.
Imagem 08: colagem com as obras vanguardistas conquistadas pela comunidade da Pedreira via Orçamento Participativo: construção e inauguração o Conjunto Habitacional Araribá (OP/1994), o Centro de Saúde (OP/1995), e a Escola Profissionalizante (OP/1996), no canto direito acima. Fonte: produzido pelas autoras.
[14] MELLO, F. C.; DA COSTA, G. M. O alcance sanitário da urbanização de favelas em Belo Horizonte. Anais, p. 1-20, 2016.
[15] Conforme a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) o Programa Vila Viva (PVV) é: “uma intervenção estruturante com ações baseadas em três eixos: urbanístico, social e jurídico. São obras de saneamento, remoção de famílias, construção de unidades habitacionais, erradicação de áreas de risco, reestruturação do sistema viário, urbanização de becos, além de implantação de parques e equipamentos para a prática de esportes e lazer. (…) A origem do programa está diretamente relacionada com o Plano Global Específico (PGE), que é o instrumento de planejamento que norteia as ações a serem realizadas.” Informações retiradas do blog da PBH em 2018, acesso neste link.
[16] Ver nota de rodapé 13.
Imagem 09: colagem com importantes momentos de participação popular vividos pelos moradores da Pedreira Prado Lopes, com a discussões sobre o PGE e votações em assembleias ligadas ao Orçamento Participativo. Fonte: produzido pelas autoras.
[17] A pesquisa Territórios Populares/Indisciplinar tratou da reestruturação territorial, desigualdades e resistências nas metrópoles brasileiras e foi coordenada pelas Professoras Marcela Silviano Brandão e Natacha Rena, e integrou a rede nacional de pesquisadores coordenada pela Profa. Dra. Raquel Rolnik (LabCidade/USP). Mais informações disponíveis no blog da pesquisa neste iink e na fanpage, aqui.
[18] Mais informações sobre esse tema no artigo Territórios, movimentos populares e universidade: entrelaçando ensino, pesquisa e extensão na Pedreira Prado Lopes e na entrevista com Lisandra Silva, mestre pela Escola de Arquitetura UFMG e técnica da URBEL. Disponível aqui.
[19] MORENO, Vinícius. Pesquisa Territórios Populares: depoimento [08 de agosto, 2019]. Belo Horizonte: UFMG, 2019. Entrevista concedida à Pesquisa Territórios Populares do Grupo de Pesquisa Indisciplinar da UFMG.
Imagem 10: colagem sobre o PGE na PPL, com obras, aberturas de vias, demolições e sobrecarga de entulhos na comunidade. Imagem elaborada a partir de fotos históricas do acervo de Valéria Borges Fonte: produzido pelas autoras.
Imagem 11: Ocupação Dona Maria realizada em um dos prédios construídos pelo Programa Vila Viva, seguindo o PGE, na favela Pedreira Prado Lopes. Ocupação coordenada pelo MTD com a colaboração de moradores da comunidade e apoio de movimentos populares e políticos da capital. Produzido pelas autoras.
[21] Expressão utilizada por Patrus Ananias quando se refere ao processo democrático, participativo e cidadão proporcionado pela política do Orçamento Participativo. Parte de um ciclo de seminários, a aula inaugural da disciplina “Cartografia do Orçamento Participativo em BH II” ministrada pelo grupo de pesquisa Indisciplinar por meio do projeto de pesquisa Cartografia Popular do Orçamento Participativo em Belo Horizonte, contou com a presença do Deputado Federal Patrus Ananias, em que abordou o tema o tema sobre “A importância da participação popular nas políticas públicas urbanas”. Essa e as outras aulas do seminário foram gravadas e publicadas no perfil do Youtube da pesquisa e estão disponíveis aqui e aqui.
[22] SOMARRIBA, M. e DULCI, O. “ A democratização do poder local e seus
dilemas: a dinâmica atual da participação popular em Belo Horizonte”. In: DINIZ, E. e AZEVEDO, S. (orgs.). Reforma do Estado e democracia no Brasil. BrasÌlia, Editora UnB, 1997, p.391-425.
[23] Ver nota de rodapé 13.
Imagem 12: colagem representando as caravanas de prioridades e a participação ativa dos delegados da COMFORÇA ligados à PPL. Uso de imagens históricas do acervo pessoal de Robson da Costa. Produzido pelas autoras.
[24] Ver nota de rodapé 13.
Imagem 10: colagem sobre o processo participativo, democrático e inclusivo do Orçamento Participativo. Imagem elaborada a partir de fotos históricas do acervo de Robson da Costa. Produzido pelas autoras.
[25] Ver nota de rodapé 13.
cartografia indisciplinar – universidade e território
A ligação do Indisciplinar com o território da Pedreira Prado Lopes se iniciou em 2018 com a realização da disciplina UNI009, ligada ao projeto de extensão Geopolítica e Cidades [26], em parceria com movimentos populares da Frente Brasil Popular, como o Levante Popular da Juventude, MAB e MTD, e sua inserção no Projeto Brasil Cidades com a rede nacional do Brcidades [27]. Desde então, a parceria com esses movimentos que atuam no local e lideranças comunitárias vem possibilitando ações como o 1o Fórum Mineiro do brcidades em Belo Horizonte/MG, ocorrido na Ocupação Pátria Livre/MTD, produção da linha do tempo da Ocupação e da PPL, documentário, exposição, rodas de conversa, projetos ligados à arquitetura, workshops e outros eventos ligados aos projetos de pesquisa Territórios Populares [28] e Cartografia Popular do Orçamento Participativo em Belo Horizonte, e dos projetos de extensão vinculados ao programa de extensão IndLab: Geopolítica e Cidades e Urbanismo Biopolítico – relacionado a este blog.
Seguindo o Método Cartográfico Indisciplinar [29], a atuação na PPL é política/acadêmica, ocorre em rede, no tempo real das lutas, articulando as necessidades que surgem nas disputas neoliberais com a produção acadêmica, e ampliando as parcerias entre Universidade, movimentos sociais e comunidade. A liderança Valéria Borges foi a principal facilitadora na entrada do grupo de pesquisa no território e segue uma importante parceira nas atividades vinculadas ao território da Pedreira e na articulação com as demais lideranças e moradores locais. Seguindo o Método Cartográfico Indisciplinar [28], a atuação na PPL é política/acadêmica, ocorre em rede, no tempo real das lutas, articulando as necessidades que surgem nas disputas neoliberais com a produção acadêmica, e ampliando as parcerias entre Universidade, movimentos sociais e comunidade. A liderança Valéria Borges foi a principal facilitadora na entrada do grupo de pesquisa no território e segue uma importante parceira nas atividades vinculadas ao território da Pedreira e na articulação com as demais lideranças e moradores locais.
Após a disciplina UNI009 e aproximação inicial com movimentos populares e moradores da PPL, ainda em 2018 ocorreu a disciplina Territórios Populares I, vinculado à pesquisa de mesmo nome, na qual os pesquisadores e alunos da Escola de Arquitetura da UFMG (EAD/UFMG) conheceram a favela Pedreira Prado Lopes e a Ocupação Pátria Livre – localizada na Rua Pedro Lessa, PPL – por meio da condução de Valéria Borges. Por meio da parceria entre os representantes do MTD coordenadores da Ocupação, moradores do espaço e da PPL e a Universidade, se construiu a linha do tempo da Ocupação Pátria Livre de forma colaborativa contendo as narrativas locais, mídias sociais e meios de comunicação hegemônicos com o objetivo de cartografar as controvérsias envolvendo atores humanos e não-humanos ao longo dos eventos ocorridos.
No final do mesmo ano, em novembro, ocorreu o 1o Fórum Mineiro do Brcidades na Ocupação Pátria Livre organizado pelos integrantes do núcleo Brcidades de Belo Horizonte, junto com militantes do Levante Popular da Juventude, alunos da EAD/UFMG e os bolsistas do grupo de pesquisa Indisciplinar: Susan Oliveira, Maria Luisa Boabaid e Henrique Porto. No final de semana anterior ao Fórum ocorreu um mutirão no Galpão da Ocupação, haja vista a necessidade de preparar o espaço para receber o evento em questão, e que contou com a participação dos organizadores, comunidade local e militantes do MTD.
Buscando aprofundar o trabalho em desenvolvimento na Pedreira, no primeiro semestre de 2019 ocorram as disciplinas Territórios Populares II (TP II) e Pflex (projeto arquitetônico) Arquitetura Desobediente conduzidas pelos projetos de extensão Geopolítica e Cidades e Urbanismo Biopolítico e, principalmente, pela pesquisa Territórios Populares (TP). Além da Pedreira Prado Lopes e Ocupação Pátria Livre, a pesquisa TP atuou em mais três territórios populares, a Associação de Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (ASMARE), a Ocupação Carolina Maria de Jesus e a Região dos Guaicurus, com o objetivo de investigar e mapear as disputas territoriais entre os interesses do Estado-Capital e dos movimentos de resistência e luta pelo método das cartografias indisciplinares.
Durante a disciplina de TP II, os alunos da EAD, Escola de Belas Artes/UFMG e bolsistas da pesquisa TP e desenvolveram quatro documentários com lideranças mulheres, cada uma de um território popular estudado, em que contam a história desses locais imbricada com sua vivência, luta e resistência. Valéria Borges é quem narra a história da Pedreira a partir de sua vida e militância contando desde a origem da comunidade, passando por importantes eventos da urbanização de Belo Horizonte, a construção e aplicação do PGE com obras urbanísticas e habitacionais na PPL, até a situação atual em que se encontra a comunidade. Dentro método a atuação do grupo de forma política e da pesquisa-ação no ponto cego das lutas, os documentários atuam como uma forma de visibilização das histórias desses locais e também de denúncia das ações do urbanismo neoliberal.
Durante o Festival de Inverno da UFMG, em julho de 2019, as filmagens foram exibidas em um evento que contou com a presença das representantes de cada local, técnicas da Universidade e de entidades ligadas à Prefeitura de Belo Horizonte. Atualmente as filmagens estão disponíveis online no canal da pesquisa no Youtube, assim como no blog oficial da pesquisa TP que também contém diversas narrativas e informações sobre a pesquisa e os territórios populares investigados. Todo o processo de concepção e elaboração do documentário na Pedreira Prado Lopes possibilitou o aprofundamento sobre sua história para a construção da linha do tempo digital, analógica e preenchimento da plataforma IndAtlas, elaborada na pesquisa TP, para a visibilização da resistência da comunidade por meio de artigos, blogs (como este), buscando mapear as controvérsias envolvendo a comunidade e o Estado-Capital.
O Pflex Arquitetura Desobediente consistiu no desenvolvimento de um projeto participativo em cima da principal demanda de cada um dos territórios populares mencionados. Na Pedreira Prado Lopes, a atividade ocorreu na Ocupação Pátria Livre com as moradoras sendo o contato principal entre os alunos da disciplina e a bolsista de TP, Susan Oliveira, na produção colaborativa do produto final. Após conversas entre os alunos e moradores, a necessidade levantada como objeto para a elaboração do projeto foram as divisórias entre as habitações da Ocupação, as quais eram produzidas de pano, lona ou colagens de diferentes tipos de madeira, o que causava grande desconforto por, principalmente, possibilitarem a manifestação de roedores e insetos, não serem firmes e seguras, além de não contribuírem para a privacidade de cada família, tendo em vista a ausência de isolamento acústico.
A partir do uso de dispositivos cartográficos como o jogo, linha do tempo e diálogos livres foi possível mapear as habilidades, os materiais e as demandas para os fechamentos. As atividades participativas guiaram a produção projetual para a concepção de modelos finais que alinhavam as necessidades de isolamento acústico, alta fixação, firmeza, baixo custo, homogeneidade, guarda-volumes e fácil desmontagem e transporte. As duas opções em madeirite, nos modelos biombo e caixote, foram entregues às moradoras em um manual com o passo-a-passo para sua construção junto com o orçamento de cada uma.
A intenção inicial da disciplina era a construção de um modelo de cada divisória em mutirão, de forma conjunta e colaborativa, para que após isso o mesmo processo pudesse ser reproduzido para a produção das demais divisórias para contemplar todas as habitações da Ocupação. Para esse processo ser possível foi necessário a arrecadação de verba, solucionado em conversa entre moradores e alunos com a venda de bolos, doces e feijoada no Festival Lula Livre, ocorrido em maio de 2019 na própria Ocupação Pátria Livre.
A atuação cartográfica no tempo real dos fatos permite que eventos não esperados ocorram e mudem a trajetória inicial. Nesse sentido, paralelamente ao processo que vinha sendo desenvolvido, uma conversa com professores da Escola de Arquitetura da UFMG levantou uma necessidade primária que deveria vir antes da elaboração das divisórias: a reforma no sistema elétrico da Ocupação. Essa situação demandou uma conversa entre os alunos com as moradoras e coordenadores da Ocupação, que concordaram em modificar os planos iniciais de se construir as divisórias e partir para uma nova atuação na busca de efetivar uma reforma no sistema elétrico local.
Com esse novo cenário em uma área de conhecimento distinta da arquitetura e urbanismo, os alunos passaram a colaborar como agenciadores, mediando o contato entre eletricista e moradores da Ocupação, colaborando na execução do orçamento e na arrecadação de verba para a reforma elétrica. Esse fato cancelou o mutirão e trouxe a criação de novas estratégias para arrecadar dinheiro e divulgar a causa com o objetivo de conquistar mais apoiadores, entre elas está a produção de rifas que foram vendidas pelos alunos na Feijoada Lula Livre e na festa junina da Casa Socialista, e a realização do Arraiá na Pátria Livre com a colaboração dos moradores da ocupação e militantes do MTD.
O dinheiro arrecadado com a venda dos doces no Festival Lula Livre foi destinado para a compra de 5 extintores e sua respectiva instalação em cada andar da Ocupação, como medida provisória até a efetivação da reforma do sistema elétrico com o custo de 30 mil reais. O valor de 800,00 arrecadado com a venda das rifas na Feijoada Lula Livre pela bolsista Susan, mais a quantia conquistada com a realização do Arraiá na Pátria Livre, foram destinados aos moradores coordenadores da Ocupação para serem utilizados na reforma do sistema elétrico. Como o valor da reforma é muito alto, a Ocupação segue arrecadando verba para essa questão e para outras demandas.
A atuação extensionista desenvolvida pelo Indisciplinar na Pedreira Prado Lopes e a Ocupação Pátria Livre ligada ao projeto extensionista Geopolítica e Cidades, dentro do programa IndLab, conectado com o Brcidades pelo Programa Brasil da FBP, junto com alunos da EAD/UFMG foi apresentada pela professora doutora e líder do Indisciplinar Natacha Rena e pela bolsista de extensão Susan Oliveira, em uma sessão livre do XVIII ENANPUR, em maio de 2019, intititulada de “TRABALHOS DE EXTENSÃO NAS UNIVERSIDADE CONSTRUINDO FORMAÇÃO E CIDADANIA” do XVIII ENANPUR, na qual tratava de projetos de extensão ligados ao Brcidades em diferentes Universidades do país.
A parceria entre Universidade, comunidade e movimentos sociais possibilitou a escrita de artigos e entrevistas produzidas pelo Grupo de Estudo da Região da Lagoinha (GE-Lagoinha) ligados à pesquisa Territórios Populares e atualmente à Cartografia do Orçamento Participativo em BH e ao projeto de extensão Urbanismo Biopolítico, no qual compreende a região da Lagoinha pelo bairro da Lagoinha, a favela Pedreira Prado Lopes e a Vila Senhor dos Passos. Algumas dessas produções acadêmicas foram publicadas na 5a e 6a edição da revista Indisciplinar e outras apresentadas em eventos acadêmicos como no 3o Seminário Urbanismo Biopolítico, realizado pelo Indisciplinar em agosto, e no 3o Fórum Livre de Arquitetura e Urbanismo de Ouro Preto (FLAU) em outubro de 2019 (todos os materiais científicos publicados estão disponíveis na última sessão desta página). Ainda, no aniversário de dois anos da Ocupação Pátria Livre, ocorrido em 7 de setembro de 2019, o grupo de pesquisa foi agraciado com um presente entregue aos parceiros da Ocupação pelos moradores e coordenadores militantes do MTD
Com o término da pesquisa Territórios Populares em agosto de 2019, as ações do grupo de pesquisa na PPL foram continuadas por meio da pesquisa iniciada no mesmo período, a Cartografia do Orçamento Participativo em BH [30], pelos dos projetos de Geopolítica , Cidades e Urbanismo Biopolítico e pelo grupo de estudos GE-Lagoinha. Nesse sentido, dentro das atividades investigativas a partir do Método Cartográfico Indisciplinar, em novembro de 2019 a pesquisa Cartografia do OP em BH, por meio da disciplina Cartografia do Orçamento Participativo em BH, realizou workshops com moradores, lideranças da PPL e delegados da COMFORÇA para a participação em um jogo – dispositivo cartográfico – que tratou sobre o Orçamento Participativo na Pedreira Prado Lopes. O workshop também foi elaborado nos outros dois territórios de estudo da pesquisa: a Vila Senhor dos Passos e Primeiro de Maio.
O objetivo do workshop foi de compreender como ocorreu o processo do Orçamento Participativo na Pedreira, como foi a participação dos moradores e como se desenvolveram as obras e planos que seguiram a partir deles (PGE e Programa Vila Viva) com a abertura de ruas, remoções, indenizações, construções de conjuntos habitacionais, praças, etc. Para isso foi usado os dispositivos cartográficos do jogo, composto por mapas, linha do tempo e maquete, o que facilitou a dinamicidade do encontro e a proporcionou que as nararrativas sobre muitos eventos fossem expostas de maneira lúdica e natural. O evento contou com a participação de importantes atores no processo de resistência e luta por melhores condições de vida na PPL.
Atualmente, os estudos sobre a PPL e a atuação nesse território ocorrem ligados à pesquisa Cartografia do Orçamento Participativo em BH, aos projetos de pesquisa antes mencionados e ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da pesquisadora Susan Oliveira na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com o processo de pandemia desde março de 2020, muitas atividades presenciais foram canceladas e outras tomaram formatos digitais para serem possíveis de ocorrer, como foi o ciclo de seminários sobre o Orçamento Participativo em Belo Horizonte organizado pelos pesquisadores da pesquisa em questão com a participação de diversos atores que trataram e viveram essa política em Belo Horizonte, entre eles Patrus Ananias e a liderança comunitária da Pedreira, Robson da Costa. As aulas foram gravadas e estão disponíveis no canal da pesquisa no Youtube e outras publicações e informações estão dispostas no blog da pesquisa.
Ainda, outra atividade ligada à Pedreira e aos territórios estudados na pesquisa está a disciplina, também ministrada de forma online, Centros Culturais e Orçamento Participativo (CCOP), que faz parte da Formação Transversal em Culturas em Movimento e Processos Criativos e fará parte da Mostra Universidade Cidade, uma iniciativa do Espaço do Conhecimento/DAC/ UFMG junto aos Centros Culturais do município de BH. As atividades desenvolvidas pela disciplina continuadas por bolsistas da pesquisa estão divulgadas no perfil do instagram do projeto CCOPBH, que propõe investigar como a participação nos processos de elaboração do OP/PGEs.