OUC Centro-Lagoinha

cartografia das controvérsias na região da Lagoinha

       Políticas de saúde pública para usuários de drogas, combate às cenas de uso por meio da redução de danos, medidas de assistência social especialmente elaboradas para o atendimento da população de rua, além de intervenções de melhoria e embelezamento urbano foram articuladas pela tríade Estado-Capital-sociedade civil vigorosamente na região da Lagoinha, numa trama de interesses diversos, ora associados, ora divergentes. Tal contexto antecedeu o anúncio da Operação Urbana Consorciada (OUC) Centro-Lagoinha no ano de 2020, cujo evento de discussão acabou sendo cancelado devido à crise sanitária causada pela disseminação do COVID-19. 

      Com o início do segundo mandato de Kalil e a manutenção da parcela majoritária do secretariado que compunha a primeira gestão pública do prefeito, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) tem avançado nas articulações e propósitos para a cidade, apesar da pandemia. Em parte, é possível relacionar a força dessa agenda urbana à sanção do Plano Diretor de Belo Horizonte em 2019 (Lei Municipal nº 11.181/19), cuja aprovação vinha sendo postergada há quase quatro anos, desde os trâmites do Projeto de Lei 1749/2015 [1]

   Assim, vale ressaltar que o instrumento urbanístico do Plano Diretor (PD) é uma ferramenta democrática e coletiva, cuja finalidade é construir uma cidade mais acessível e igualitária a todos. Partindo desse princípio, o atual PD de Belo Horizonte visa aplacar as desigualdades urbanas por meio do engajamento do em uma estrutura urbana policêntrica, favorecendo as iniciativas urbanísticas nas periferias a fim de promover uma reparação em relação às áreas historicamente negligenciadas, porém com potencial para se tornarem novas múltiplas centralidades e pontos de investimento em capital urbano e humano. Haja vista que a área central de Belo Horizonte já concentra uma maior intensidade de projetos, oportunidades de trabalho, serviço, lazer, cultura e infraestrutura.

     Desde 2017, as secretarias da Prefeitura de Belo Horizonte foram articuladas de maneira intersetorial para tratar a região da Lagoinha como pauta prioritária na agenda pública devido ao agravamento das cenas de uso no território. Por isso, cria-se um Comitê Coordenador da Agenda Intersetorial de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas [2] a fim de associar as políticas de assistência social e saúde pública às intervenções espaciais (de valorização cultural, embelezamento urbano ou infra-estruturais), tendo em vista a adoção de uma política de redução de danos em localidades territoriais específicas da região da Lagoinha, a citar: a Rua Araribá, Rua Itapecerica, a passarela que liga o Centro à Lagoinha e os espaços ociosos dos baixios dos Complexos de viadutos da Lagoinha [3].

      Assim, a ênfase do mapeamento aqui apresentado manifesta-se nos anos 2018 a 2021, mas também, leva-se em consideração a histórica prática higienista e segregativa vinculada ao fator social e racial perante as camadas populares dessa região, pois entende-se que este panorama histórico está intrínseco às razões pelas quais a região sofre o vigente estado de degradação e novas formas de estigmatização. Nesse aspecto, o encadeamento cartográfico proposto busca evidenciar como ainda nos dias atuais, o deslocamento compulsório, a criminalização, a disciplinarização e até a hostilização do espaço público afetam constantemente específicos atores humanos, caracterizados pelos grupos em maior situação de vulnerabilidade social. E para além disso, buscamos apostar nos efeitos mais sutis que a intensidade de reestruturações urbanas pode provocar no território e no cotidiano dos moradores locais, tendo em vista um processo de gentrificação.

     Ao trazer o conceito de gentrificação para nossa discussão teórica, é necessário pontuar previamente que tal fenômeno opera como resultado da globalização nas cidades contemporâneas, de forma que gentrificação como ocorrência do deslocamento de classes de menor poder aquisitivo não resulta apenas de um fenômeno local, mas sofre influência de um processo transescalar de financeirização do espaço urbano (SMITH, 1996; 2002) [4]. Sendo possível ousar dizer que as cidades contemporâneas, principalmente aquelas localizadas no Sul Global vivem um embate entre suas necessidades e demandas locais enquanto forças externas de influência geopolítica tentam impor agendas urbanas padronizadas e intervenções milagrosas via financiamento de mega transformações infra-estruturais por intermédio do capital internacional.

mancha prevista para a OUC Centro-Lagoinha

[1] O Projeto de Lei 1749/2015 propôs a estabelecer diretrizes de desenvolvimento urbano e ocupação da cidade, além de regulamentar e prever a aplicação de instrumentos da política urbana concernentes ao Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001). O Projeto de Lei também foi amplamente discutido com a sociedade civil por meio de audiências públicas e especialmente nas reuniões relativas à IV Conferência Municipal de Política Urbana ocorridas no ano de 2014.

[2] Decreto nº 16.747, de 10 de outubro de 2017. Cria o Comitê Coordenador da Agenda Intersetorial de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas e dispõe sobre a Agenda Intersetorial de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas. O comitê é composto pelas seguintes secretarias: Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania; Secretaria Municipal de Assuntos Institucionais e Comunicação Social; Secretaria Municipal de Educação; Secretaria Municipal de Esportes e Lazer; Secretaria Municipal de Fazenda; Secretaria Municipal de Governo; Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão; Secretaria Municipal de Saúde; Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção; Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas de Belo Horizonte (BELO HORIZONTE, 2017).

[3] Link para a entrevista da Maíra Colares em edição passada da Indisciplinar disponível em: <https://wiki.indisciplinar.com/download/009.pdf >. Acesso 15 de março de 2021.

[4]  SMITH, Neil. The New Urban Frontier: Gentrification and the Revanchist City. Londres: Routledge, 1996. SMITH, Neil. New globalism, new urbanism: Gentrification as global urban strategy, Antipode 34. 3: 427-450. 2002.

    Assim, o vínculo entre os conceitos de globalização e gentrificação se tece através dos processos de des/investimento no ambiente construído via reestruutração urbana, pois tendem a ser convenientes saídas emergenciais para os momentos de crise do capitalismo. Ou seja, a solução temporária que faz girar novamente a máquina financeira e estabilizar a economia, se encontra nas possibilidade de injeção de capital nas estratégias de reestruturação urbana. Nesse sentido, o ciclo de acumulação capitalista se alimenta de tal desenvolvimento geográfico desigual e da fluidez no deslocamento de ativos financeiros e humanos no mundo globalizado, associado à promoção, à espetacularização e à competição das cidades a nível interurbano. Essa constatação generalista revela uma estratégia global de expansão neoliberal através da prática urbana e da consolidação da cidade via competitividade transnacional e interesses do lucro imobiliário local.

    Tendo em vista esse contexto geral, a investigação realizada nesta plataforma se propõe a decodificar as linhas de forças territoriais e os pontos de controvérsias que se enredam na região Lagoinha via o Método Cartográfico Indisciplinar (LOPES; RENA; SÁ, 2019). A pesquisa apresentada aqui parte das explorações e produções acadêmicas individuais [5] e também articuladas em ação investigativa conjunta, realizada pelo Grupo de Estudos (GE) – região da Lagoinha [6], cujo objetivo é pensar criticamente mediante o planejamento e processos urbanos contemporâneos e os desdobramentos sociais-espaciais na região Lagoinha, tendo em vista os aspectos históricos, sociais e político-urbanísticos sob uma perspectiva geopolítica transescalar. Assim, deflagram-se três hipóteses quanto a possibilidade latente de um processo de gentrificação, tendo em vista três dinâmicas espaciais particulares:

1) o sutil e recente processo de gourmetização ou hipsterização da região da Lagoinha que ocorre pelo próprio holofote cultural e patrimonial que a área apresenta, permite especular que enquanto tal processo esteja engajado e articulado entre os atores locais e movimentos culturais da região, menor é a perspectiva de um processo de gentrificação. Porém, a depender da proporção que a narrativa de requalificação territorial tome, as intervenção de embelezamento urbano promovidas pelas parcerias entre poder público, poder privado e sociedade civil poderiam camuflar ações de intervenções mais hostis [6] ou abrir caminho para projetos de maior escala urbana [7]Assim, também a depender de como a última for implementada, sua execução poderia contribuir para o enobrecimento do território e o deslocamento das camadas populares;

[5] BITENCOURT, Gabriela. Cartografia das Controvérsias na região da Lagoinha. 2020. 330 f. Dissertação. (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. E as pesquisas em andamento:

[6] O GE-região da Lagoinha está vinculado ao Programa IND.LAB e ao Projeto de Extensão denominado Plataforma de Urbanismo Biopolítico, ambos coordenados pela Profª Drª Natacha Rena (Para mais informações, visitar as páginas disponíveis em: <https://wiki.indisciplinar.com/index.php?title=INDlab>. Acesso em 04 de abril de 2021

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